Comissão de Direitos Humanos da OAB repudia uso de termo “ideologia de gênero” em evento em Palmas
Em nota pública distribuída nesta quinta-feira, 18 de fevereiro, aos meios de comunicação e a sociedade, a CDH (Comissão de Direitos Humanos) da OAB-TO (Ordem dos Advogados do Brasil no Tocantins) repudiou o uso da expressão “ideologia de gênero” pelo evento “Atualidades da Política Brasileira: ideologia de gênero, sexualidade e religião”. O evento, que será realizado nesta quinta-feira, na Assembleia Legislativa, em Palmas, contará com a participação da psicóloga Marisa Lobo e do deputado federal Marco Feliciano. Para a comissão, o termo “ideologia de gênero” não possui legitimidade epistêmica no campo das ciências humanas e sociais. “(O termo) Foi cunhado e, posteriormente, divulgado por grupos de matriz religiosa cristã, especificamente na Espanha, com a finalidade de desqualificar os estudos sobre as mulheres, estudos de gêneros, estudos queer, dentre outros”, destaca o texto, ao salientar que a expressão vem sendo usada para “deslegitimar as políticas públicas afirmativas e de enfrentamento às discriminações contra mulheres, gays, lésbicas, travestis e transexuais”. A CDH destaca que, com a utilização da palavra “ideologia”, há uma tentativa de distorcer um conceito Constitucional e de compromissos internacionais adotados pelo Brasil. “Discutir gênero nas escolas é fundamental, inclusive visando extirpar preconceitos terminológicos, na medida em que o Brasil se constitui como Estado laico, compromissado com o livre pensamento científico, signatário de tratados internacionais que visam o combate ao preconceito e discursos de ódio”, destaca advogada Verônica Salustiano, que faz parte da comissão. Também integrante da CDH, a advogada Aline Martins critica a postura de omissão em casos de violência e o conceito de família tradicional. "Nota-se que há um problema de representatividade da população quando se percebe a atuação de alguns parlamentares no sentido de repudiar publicamente filmes e novelas, mas são omissos aos casos de violência contra a mulher e contra a população LGBT denunciadas pela imprensa tocantinense. Além disso, é importante considerar um equívoco a defesa do modo tradicional de família quando na verdade o próprio IBGE comprova a pluralidade da formação familiar em todo o Brasil,” frisa Aline. Confira, abaixo, a nota da CDH da OAB-TO na íntegra: NOTA PÚBLICA SOBRE O TEMA DA MESA REDONDA “ATUALIDADES DA POLÍTICA BRASILEIRA” A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Tocantins, repudia a utilização da terminologia “Ideologia de Gênero”, empregada pelos organizadores do evento “Atualidades da Política Brasileira: ideologia de gênero, sexualidade e religião”, a ser realizado na Assembleia Legislativa, que contará com a participação da Psicóloga Marisa Lobo e do Deputado Federal Marco Feliciano. Faz-se imperioso elucidar que o termo “ideologia de gênero” não possui legitimidade epistêmica no campo das ciências humanas e sociais uma vez que foi cunhado e, posteriormente, divulgado por grupos de matriz religiosa cristã, especificamente na Espanha, com a finalidade de desqualificar os estudos sobre as mulheres, estudos de gêneros, estudos queer, dentre outros. É reivindicado de modo deturpado com a finalidade deslegitimar as políticas públicas afirmativas e de enfrentamento às discriminações contra mulheres, gays, lésbicas, travestis e transexuais. Repudiamos a tentativa de distorcer como 'ideologia’ um conceito adotado pelo constituinte e por tratados e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. De acordo com a ONU, gênero se refere aos “atributos sociais e oportunidades associadas com ser mulher ou homem, bem como as relações entre homens e mulheres, que são construídos socialmente e aprendidos por meio dos processos de socialização”. Ao promover a igualdade de gênero, busca-se combater as relações históricas de poder que levam à desigualdade e à violência. Gênero não é uma ideologia, ao contrário, é a desconstrução de uma ideologia que imputa características supostamente inatas aos indivíduos, fardo histórico de desigualdades. A ignorância em relação aos estudos de gênero e como são aplicados nos currículos educacionais tem levado o Tocantins e o Brasil a retroceder em matéria de Direitos Humanos e respeito à diversidade sexual e de gênero. O que se vê, em verdade, é o avanço do pensamento de determinados líderes religiosos de matriz cristã no Poder Legislativo, extrapolando os limites do Estado laico e auxiliando na propagação da violência contra a mulher e população LGBT. O Estado Democrático de Direito deve primar pelo respeito e garantia aos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição. Nesse sentido, o artigo 3º da Carta Magna estabelece como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. A promoção de uma sociedade sem discriminação e violência contra as mulheres, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, necessariamente passa pela livre expressão de pensamento e da atividade intelectual, artística e científica. O debate sobre a não violência de gênero nas escolas é salutar na medida em que o Estado Brasileiro reconhece a função social da educação básica como instrumento para formação da cidadania. A utilização de termos que buscam confundir e obscurecer milhares de pessoas do seu direito fundamental ao conhecimento e à garantia de políticas públicas é uma violação aos Direitos Fundamentais. O Brasil é signatário de diversos documentos internacionais de promoção da igualdade, tais quais: a Convenção Para Eliminar Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher – CEDAW (1979) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), promulgado através do Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992. A Convenção Para Eliminar Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, no seu artigo 10, estabelece que os Estados – partes “adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher, a fim de assegurar-lhe a igualdade de direitos com o homem na esfera da educação”, dentre elas “a eliminação de todo conceito estereotipado dos papéis masculino e feminino em todos os níveis e em todas as formas de ensino”. Além disso, os crescentes índices de violência contra as mulheres, especialmente negras, homossexuais, bissexuais, transexuais e travestis, principalmente no estado do Tocantins, demonstram a necessidade de políticas públicas e educacionais que promovam o respeito à identidade de gênero e à diversidade sexual. Assim, conclamamos a sociedade à reflexão sobre as fronteiras entre liberdade de expressão, Estado laico e discursos de ódio, que deslegitimam as conquistas sociais e epistêmicas das mulheres como produtoras do conhecimento, o que perpetua a violência e o desrespeito em nossa sociedade.