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Pedro Biazotto relata painel com ministra do TST, Cezar Britto e Velloso

A recente reforma da legislação trabalhista, materializada na Lei 13.467, que entrou em vigor em 11 de novembro, mas ainda tem itens a serem regulamentados por Medida Provisória (MP 808), foi tema de debates do Painel 11, no segundo dia da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, com auditório lotado – mais de 1.000 pessoas assistiram ao evento. A mesa foi presidida por Paulo Antônio Maia e Silva, tendo Pedro Donizete Biazotto, conselheiro federal pelo Tocantins, como relator e Maurício Gentil Monteiro como secretário. Para Biazotto, o evento foi de grande valia e serviu para reforçar os gravíssimos problemas que a chamada Reforma Trabalhista trouxe, inclusivo com desrespeito a Constituição e a legislações internacionais das quais o Brasil é signatário. "Os palestrantes, com exposições de grande densidade jurídica, deixaram claro que, além de fragilizar direitos trabalhistas e mesmo as relações de trabalho, a Reforma da CLT afronta diversas disposições constitucionais e de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Ministra Delaíde Arantes Com o tema “Flexibilização dos Direitos Trabalhistas”, Delaíde Arantes, ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), citou vários dados para dar dimensão da realidade brasileira e o contexto em que a lei foi implementada. Destacou, por exemplo, o fato de o Brasil acumular 388 anos de escravidão e apenas 130 de trabalho livre, ter 72% de seus trabalhadores recebendo até dois salários mínimos, 3 milhões de crianças e adolescentes no trabalho infantil e 167 mil pessoas submetidas a trabalho análogo ao de escravo, além de ser o quarto no mundo em acidentes de trabalho. “Foi um grande retrocesso jurídico e social”, afirmou, sobre a nova lei. Ressaltando o fato de ocupar no TST vaga destinada à advocacia, Delaíde também fez referência crítica à Portaria 1.129, do Ministério do Trabalho, que alterou conceitos sobre trabalho escravo – a norma foi suspensa liminarmente por decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo ela, as mudanças na CLT foram aprovadas de forma apressada e com alta rejeição. A ministra citou nota técnica assinada por 17 dos 27 integrantes do TST, contrários à reforma, também objeto de estudos de entidades como a Anamatra e a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat), além da própria OAB, que em parecer apontou 18 inconstitucionalidades. A ministra do TST identifica um “inconformismo histórico” de setores da sociedade com a Justiça e o Direito do Trabalho. E lembrou, citando dados do Conselho Nacional de Justiça, que o ramo trabalhista responde por apenas 6% dos litígios no Brasil. “Flexibilização de direitos não é solução para a crise. Não foi em nenhum lugar do mundo. O que o Brasil precisa é crescimento econômico, investimentos.” Ela refutou ainda quem diz que os juízes não pretendem aplicar a nova lei: será aplicada, mas preservado o direito de interpretação. E lembrou que se trata de lei ordinária. “Eu costumo brincar que de ordinária tem tudo.” A desembargadora Tânia Reckziegel, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região, falou sobre os direitos da mulher na reforma trabalhista, mostrando preocupação com os impactos da nova lei e também vendo retrocessos. Ela citou, por exemplo, o Artigo 394-A da Lei 13.467, que contempla a possibilidade de a empregada gestante ou lactante trabalhar em atividade insalubre. “Ninguém deveria trabalhar em atividade insalubre. Isso, para mim, é um dos maiores prejuízos. Isso não pode prevalecer”, afirmou a desembargadora, lembrando que esse item foi incluído na MP 808 e poderá ser modificado. A desembargadora citou outros pontos da lei, como os que tratam do intervalo de 15 minutos antes de um período de horas extras (revogado) e dos descansos para amamentação (que agora precisam ser negociados). Para a juíza, a reforma demonstrou que o conservadorismo dos parlamentares brasileiros continua presente, e eles são refratários a políticas afirmativas de participação feminina na sociedade. “Faltou mais debate”, avaliou, fazendo no início da exposição um panorama do lento avanço histórico dos direitos sociais das mulheres no Brasil. “Para nós, sempre foi um desafio conquistarmos espaço e, principalmente, direitos. Precisamos de boas bases de políticas públicas.” A realidade ainda mostra desigualdade de tratamento, discriminação, violência e assédio. Situações que ela vivencia diariamente no Tribunal. “Às vezes, são ações muito doídas”, confessou. Negociado x legislado O presidente da OAB de Minas Gerais, Antônio Fabrício de Matos Gonçalves, abordou uma das questões mais polêmicas da lei: a prevalência do negociado sobre o legislado. Começou citando um compositor de sua terra, ao afirmar que o legislador não ouviu Beto Guedes (sobre o “fruto do trabalho” ser sagrado). “A reforma vai afetar e vedar em grande parte o acesso à Justiça Trabalhista. Vamos ter muito trabalho na compreensão e no entendimento global do texto”, explicou. Ele citou o ministro do TST Mauricio Godinho Delgado para observar que à Justiça do Trabalho cabe preservar um patamar mínimo civilizatório. Ao se diminuir rendimentos e retirar direitos, a economia também será afetada, lembrou. “Uma lei não revoga a realidade e não revoga tudo o que foi criado ao longo do tempo”, disse. Carllos Velloso O ex-presidente do STF Carlos Velloso falou sobre a terceirização, incluída na Lei 13.467 e também na 13.429, que alterou parcialmente a Lei 6.019 (de 1974), sobre trabalho temporário. Sustentou a importância da especialização para algumas atividades. E disse considerar que a Súmula 331, do TST, traz inconstitucionalidades. Essa súmula, que agora deverá ser alterada, veda a prática da terceirização em atividades-fim das empresas. Para Velloso, a terceirização é uma necessidade na dinâmica da economia moderna. “Não é uma modalidade de contratação para burlar a legislação trabalhista. Contra isso temos a Justiça do Trabalho e o Ministério Público. Também não é uma forma de precarização, mas essencialmente ferramenta no mercado atual que visa a gerar ganhos de competitividade”, expôs. O professor da Universidade de São Paulo (USP) Otavio Pinto, que falou sobre unicidade e custeio sindical e apresentou um panorama do arcabouço legal desde os anos 1930, criticou o fato de a Lei 13.467 ter tornado a contribuição sindical opcional sem discutir, ao mesmo tempo, outras formas de sustentação das entidades. “Há uma omissão do Congresso, absolutamente injustificável, em regular a contribuição negocial.” Ele lembrou que a Lei 11.648, de 2008, que regulamentou as centrais sindicais, falava nessa nova contribuição, que substituiria o chamado imposto sindical. Sem isso, agora os sindicatos enfrentam dificuldades. Alguns já teriam iniciado demissões e enxugamento de estrutura. “Não houve uma previsão de como os sindicatos vão sobreviver”, frisou. Para o professor, a reforma deveria ter começado pela organização sindical e pela representação no local de trabalho. Ele também questionou o conceito de unicidade, lembrando que o Brasil tem, segundo dados recentes, quase 16.500 entidades. Também para Pinto, faltou um debate mais aprofundando sobre as necessárias mudanças. Para o especialista, a reforma continua indispensável e deve ter como premissa a liberdade – nesse sentido, ele defendeu a ratificação da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). É, como disse, “condição indispensável para a valorização da negociação coletiva”. Inconstitucionalidades Conselheiro federal da OAB, Bruno Reis de Figueiredo , presidente dos Comitês de Direito Sindical da Ordem federal e em Minas Gerais, tratou dos reflexos da lei no Direito e nas entidades. Ele apontou “inconstitucionalidades evidentes” na lei, lamentando a postura do Congresso na tramitação. Um senador chegou a dizer a ele que a preocupação se limita aos aspectos políticos, e não técnicos, da proposta. “Houve inversão da hierarquia das normas”, disse Figueiredo, ao abordar o negociado e o legislado. “Para quem é interessante esta inversão? Com certeza não é para os trabalhadores.” Segundo ele, a lei teve como objeto enfraquecer as entidades sindicais. O conselheiro citou itens como a dispensa dos sindicatos em homologações, demissões coletivas sem necessidade de negociação e o fim da ultratividade (que já era questionada no STF), princípio pelo qual as normas dos acordos coletivos permanecem válidas até a renovação. Além disso, o chamado trabalho intermitente, em sua visão, resultará em queda no rendimento do trabalhador, com possíveis conseqüências sociais, como aumento da inadimplência e da criminalidade. Cezar Britto Último a falar neste painel, o ex-presidente do Conselho Federal da OAB e membro honorário vitalício Cezar Britto teve uma palestra com título quase autoexplicativo: “A 'modernização’ da legislação – o renascimento da Idade Moderna.” Ele avaliou que a reforma teve como sentido fazer com que o empregador deixe de pagar direitos devidos. Identificou um retorno aos tempos de servidão e, evocando os princípios da dignidade humana e da valorização social do trabalho, considerou que o ser humano voltou a ser tratado como “coisa a ser apropriada pelo menor preço”. Agora, é preciso pensar no que fazer, disse Britto. “O legislador já concluiu o seu perverso trabalho. Não basta dizer que o advogado é essencial à Justiça. A nossa missão é muito maior”, afirmou. Ele propõe que a organização de cursos para que os profissionais se preparem para essa nova realidade. “Temos de voltar a estudar fortemente, Direito Constitucional, Internacional, Civil, porque os trabalhadores precisarão de nós na busca por direitos”, alertou. O ex-presidente da OAB lamentou que muitos, “inclusive alguns que vestem toga”, abandonem a visão de que a Justiça do Trabalho é instrumento de inclusão social. Por isso querem destruí-la, acrescentou. Ressaltou que a lei ordinária (“Em todos os sentidos”) deve se submeter ao controle da legalidade. Para ele, fizeram uma aberração com a legislação trabalhista, e “é preciso que a OAB externe esse pensamento”. Também é preciso, afirmou, que o TST oriente sobre as mudanças, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fez em relação ao Código Civil. Ao final, foram aprovadas cinco resoluções: pela ratificação da Convenção 87 da OIT; repúdio à forma “ilegítima e ilegal” de aprovação da lei e suas consequências, e também às manifestações pela extinção da Justiça do Trabalho e a afirmações “levianas” de que os juízes não pretendem aplicá-la; por realização, com urgência, de cursos para questionar a reforma trabalhista; denúncia do Estado brasileiro em instâncias internacionais sobre o retrocesso provocado pela reforma trabalhista; e a favor da criação, pelo Conselho Federal, de um grupo permanente para propor e participar do processo de elaboração de novas súmulas trabalhistas. (Da OAB Nacional e Daniel Machado)

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